terça-feira, 15 de julho de 2008

Morando Fora

Ela já estava morando em outra cidade há um bom tempo. Já tinha tido affairs, amigas, tinha até um namorado agora. Já tinha voltado a morar na sua cidade natal, depois voltado pra cidade que tinha ido, já tinha deixado de morar com quem morava. Já tinha sua vida sozinha na outra cidade. Mas seu coração - que clichê! - ainda era da cidade natal. Nada tão romântico, só o máximo que a vida pode ser romantizada com sentimento. Ela tinha amigos ainda na mente dela e os amigos que tinha eram aqueles que tinha deixado na cidade e que para ela estavam intactos.
Porra nenhuma. Na cidade natal, eles quase não se falavam mais e suas vidas já tinham sido tomadas - eles tinham conseguido outros amigos, e aqueles amigos antigos, bem, não pensavam mais como tão presentes nas vidas uns dos outros.
E lá, ela continuava vivendo, vivendo como se não fosse sua vida, vivendo como se fosse a vida que ela estivesse mostrando pros parentes que deixou na cidade, pros amigos que deixou na cidade, pras pessoas que moravam na cidade, que sabiam da vida dela e que, segundo ela pensava, estariam procurando saber da vida dela.
Ao mesmo tempo, ela estava lá, sozinha, sem participar de nada, só da vida que ela tinha arrumado, que era murcha de pessoas e compromissos sociais - um namorado e alguns amigos que ela nunca conseguia considerar como os outros, da cidade natal.
De tempos em tempos, vinha para cidade natal. Convocava a todos para que participassem da vida dela - e ai de quem não a encontrasse, seria uma demonstração de não amizade e de falta de integridade e também de esquecimento do passado. Encontrava todos, que pareciam não ser mais tão amigos assim, que ela também indagava-se se era aquilo mesmo que ela percebia, mas que não podia ser. Ela não tentaria mudar a vida dela. Lá, na outra cidade, a que agora vivia, ela não tinha amigos e para esses quase-amigos de lá, os da cidade natal eram os amigos, então muitas fotos ela precisava tirar. Continuava com seu mantra de serem todos ainda grandes amigos, com o seu mantra de que amava sua vida na sua nova cidade, com o seu mantra de que estava tudo se encaminhando para o que parecia ser o certo. E o que deveria ser o mais certo de tudo, ela que planejou o que indicava para a vitória. Para ela, para a imagem dela, os símbolos estavam bem-como-nos-filmes. Com uma diferença que ela não queria levar em conta: era latina, loira falsa, barriguda e não morava em Beverly Hills.

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