domingo, 7 de junho de 2009

O que é a arte na era da legitimação da relatividade cognitiva pela democracia?

Assolado por relfexões a respeito da ética na arte, especulando se seria ou não válido artisticamente tentar imprimir pregações, propostas de vida, intencionalidades, digamos, meio platonistas de sua cidade ideal, acabei caindo num buraco que parece que vive se metendo na frente qualquer reflexão dualista na contemporaneidade: seria possível analisar obras de arte sob esse olhar científico, que determinaria que para um lado vai a intencionalidade e do outro vai a catarse? Em virtude disso, qual seria então o motivo que desenvolveu na sociedade a necessidade de defender posturas antagônicas, como se a obra de um poeta pudesse ser classificada somente como posicionamento diante do mundo, ou catártico, ou moral?

A catarse, porém, não deixa de ter sua ética. E, pelo menos do ponto de vista platônico, a ética tem repercussões fundamentalmente políticas, e não consigo ver razões para discordar disso, visto que a catarse em si repercute, faz pensar, intenciona, na sua medida, na sua ética artística. Todavia também não posso deixar de ver na arte platônica sua dose catártica. À medida que exprime uma impressão, uma vontade da realidade, mesmo que se diga a verdadeira, a ideal, muito embora, do ponto de vista aristótélico agora, não seja, a arte platônica revela sua expressão e sua impressão do mundo, sua vontade. Mas, se não consegui ainda definir o que seria a verdadeira arte, a catártica ou a platônica, nem mesmo se haveria uma catarse amoral, e muito pelo contrário, acabei construindo que na arte não se pode excluir nem seu teor catártico nem seu teor intencional, como seria portanto possível discernir o que seria arte do que não seria?

Quanto a isso, fico mais para o Aristóteles, que valorizava o saber pelos sentidos. Creio que cabe à sensibilidade discernir a arte, e, tendo isso como pressuposto, vai do grau de sensibilidade de cada um definir seu conceito de arte. A arte seria, assim, relativa. E isso talvez explique o motivo de explosão da indústria cultural de massa. Conforme a democracia se estabelecia e se expandiam plenamente direitos constitucionais a todos, se configurava uma cultura voltada para o popular. O regime das maiorias, que é a democracia, passou a valorizar os modos de expressão artística reconhecidos pela vontade da maioria população - cidadã, consumidora, eleitora: a nação - como arte. Tanto para vender, quanto porque o povo representava eleitorado; era necessário que ele sentisse sua nação como sua, com a sua cultura, a sua vontade, a vontade da nação valorizada.

Mas a indústria não se consolidaria como arte para todos os setores de uma nação. O tradicionalismo, por exemplo, através das imposições das minorias permitidas pela democracia, se fez perpetuar em seu projeto de arte verdadeira assegurada pelo intelectualismo. Com o respaldo de uma cultura da educação e da sofisticação da sensibilidade e, aristotelicamente, do saber, a tradição quanto a uma espécie de nobreza artística de críticos e entidades mais sensíveis se perpetua em seus conceitos de supersensibilidade, através de colunas em jornais de opinião pública e, principalmente, através de instituições tais como academias e museus, instrumentos para contemplação dessa superiorização sensível e intelectual que intenciona-se manter no discurso do artístico verdadeiro, mais refinado em percepções, em detrimento dos 'produtos' da indústria cultural de massas.

A democracia, enquanto sistema capaz de conciliar interesses de um grupo reunido, permite essa relativização da arte. Seria possível, com esse sistema, que diferentes vertentes de concepção da arte possam apreciar produtos que respeitem suas vontades de representação artística. E quando me refiro ao popular, não pretendo colocar todo o povo num mesmo saco. Digo, sim, que todos os segmentos da população de uma nação, minimamente representativos, têm acesso a produtos de sua arte e recebem confirmação oficial por parte dos representantes de suas vontades que agora se legitimam nesse regime da igualdade de direitos. A perspectiva aristotélica sobre esse tema, portanto, seria um instrumento, de certa forma, de reiteração da existência de uma camada superior em percepção de mundo, a camada mais educada, mais refinada, mais sofisticada em seus sentido, mais capaz de pareciar nuances mais profundas e mais complexas e de propor os melhores projetos e reflexões.

Talvez, justamente por eu intencionar fazer parte dessa arte mais verdadeira, eu valorize o ponto de vista catártico aristotélico, de valorização da evolução gradativa dos sentidos e do saber, através da educação, posto que primo pelos estudos para adquirir experiência em sensibilidade, em saber artístico, inevitavelmente uma geração de sentido cheia de intencionalidades políticas...

O que talvez os segmentos que se pretendem 'nobres', verdadeiros conceituadores da arte, queiram atingir é uma mudança de nomes. Arte passaria a ser somente a iconização cultural dos segmentos que se instrumentam de academias e museus que os reconhecem. As iconizações culturais dos outros setores, que não dispõem desse instrumento de validação, seriam tidas como sub-artes, ou identificações populares com produtos baratos. O nome 'arte' seria dado, portanto, aos produtos caros de identificação humana, os mais elaborados, os mais complexos em sentidos e intenções, apreciados por quem pode apreciar: uma espécie de elite intelectual. A arte, portanto, não nasce na pessoa; o artista contemporâneo, aquele que procura sucesso nesse setor que determina o que é artístico, deve erudir-se e não basear-se somente no dom, como crente num destino manifesto. A arte, tal como vinhos com "selos" de qualidade caríssimos, é uma arte intelectualizada antes de tudo. E para o a intelectualidade, só há o caminho dos grandes, dos mais reconhecidos, dos melhores colégios, universidades, institutos. Isso é arte, uma identificação cultural da intelectualidade.

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