quinta-feira, 18 de junho de 2009

considerações sobre o atual estado daquilo que costumava-se denominar por repressão

Você acha legal isso que você formou com a sua vida? Dois filhos, família, casa, emprego, sossego... parece tentador mesmo. Mas e se isso não te traz sossego, pra que lutar para continuar tudo, pra que ter práticas conservadoras? Conservar era o que vocês achavam ruim, mas eu não vou vos embrulhar nessa retórica, porque conservar ou revolucionar não embutem em si próprios juízos de valor. Eu não concordo com esse conservadorismo familiar, sustentado por pilares fortes: uma conta conjunta, assim como o apartamento pertence aos dois, cada filho com um quarto, o máximo de conforto conseguido, a compreensão, a democratidade pós-queda-do-muro, o cooperativismo familiar, o socialialização das nossas vidas, a identidade comum que vocês dois, pais, sempre procuraram sustentar: essa família que se ama, fechados em nós. Às vezes tenho medo de não me sentir junto de tudo isso que funciona nessa família, sei lá, não que hajam normas que determinem, em erratas, o que se deve ou não fazer. Eu sei que o diálogo é possível, e sei também que talvez eu nem saiba direito o que eu vislumbro em mudança, se vislumbro mudança ou se é só uma questão de posicionamento ideológico: vejo na família a chave de todas as injustiças, as estrutras de dominação, de hierarquização e, por mais que vocês sejam leigos, ateus e analisados, é algo a priori, é algo que vocês não têm como modificar: é, quem sabe?, aí que esteja a fronteira entre o que muda e o que não muda. Família não muda e é isso que me incomoda. Por mais que atendam às demandas possíveis, por mais que vocês sejam flexíveis, compreensíveis, pós-fordistas, vocês são a dominação, vocês são o topo e eu preciso destruir essa imagem, construir a minha própria abstração de família - não pretendo ter uma, mas pretendo ter a minha árvore, com meus ramos - e, vocês sendo como são, cheios de amor comigo e vontade de mudar me enlaçam mais, me confundem mais, me tiram os argumentos; não é isso que vai fazer me prender a vocês. Ironicamente, são as contradições do capitalismo, caros amigos de setenta e poucos... O que eu preciso é quebrar essa corrente que me torna filho dos meus pais, e quanto mais vocês buscarem entender, fazerem parte de mim, não adianta, já é tarde e inevitável, eu quero ser eu. Talvez isso que seja difícil, perceber que o conservar será sempre combatido, seja ele bom ou ruim, e aqui me permito considerar que bom e ruim são idealizações. O que acontece não é certo nem errado, o que acontece é que o tempo avança e o que conserva precisa ser deposto. O novo que surge, o filho, quer seu próprio modelo de organização, e nele imprimirá suas convicções e repugnará todas as coisas que simbolizem o que o conservava como filho, como um braço a mais do seu corpo incompleto, tão incompleto quanto o meu é, quanto é o de qualquer humano. Eu peço desculpas por várias coisas que eu tenha dito, por tristezas e sensações de tapete puxado. Mas eu peço também que pensem um pouco, que sonhem mais - como sinto falta dos seus sonhos, a vida não acabou em nós, a história não tem um fim - e me vejam como um filho crescido, não mais um membro do corpo que vocês tão ufanistamente denominaram família. E não se enganem, eu amo vocês demais.

Um comentário:

Sadlisa_ disse...

Sei que é difícil ser filho (claro, já estive deste lado). Porém, ser pai ou mãe (no meu caso, os dois) também o é. Tudo o que a gente quer é cuidar, proteger, fazer feliz, mas não sabemos como: vamos aprendendo com nossos erros e acertos. Quando há amor, as coisas se acertam e se resolvem com um mínimo de dor e conflito. Eu já disse uma vez que, se erramos ao longo de nossas vidas (como pais), amar demais é uma boa maneira de se errar. Errar por excesso de amor é menos danoso do que pela falta dele.