"Seja, por favor seja!" é como se fosse um pedido. Ao dedilhar sua arpa, Apolo aconselha, para os que dão-lhe ouvidos em tempos tão surdos de deuses: ele indica a suavidade do ser sem grandes voltas e revoltas perdidas orbitando o corpo, sem muitas dúvidas, sem extensões tamanhas que escapem à mão, desfeitas. Mas... A cidade, a minha vista da janela, os sistemas que funcionam sozinhos; é tudo um sinal de que há em tudo sua opção - e aqui as órbitas tecem suas teias. Um conselho divino, portanto, de que é necessário ser, e sentir-se pleno de sua capacidade, de sua vocação para o mundo, de seu ser único definitivo, respinga na minha vontade um azul tão cinza... É preciso, em meio a profusões de trens saídos com horas marcadas e de estradas que não param de passar carros, que desconcentram para o que pode ser, para o que se pode ser, ouvir o som da essência de si, caso queira ser alguém, caso a vida seja uma procura por sentido. Fotos e máscaras e sua disposição para tudo, para o sexo, para deixar tudo e voltar-se para o limite quadrado da janela do quarto: tudo parece ser progressivamente muito mais que isso, é isso em seus arredores, e nos arredores desses arredores, e assim sucessivamente; é como se eu beirasse a beira (da beira da beira da beira...) de me beirar em mim, é como se tudo beirasse a beira (da beira da beira da beira...) do que se era pra ser. Busco, nessa acústica mal-preparada, atrapalhado pelo ruído dos ônibus e dos carros, encontrar um espaço para me atentar ao som do conselho, que melodia ele toca; abrir braços e juntar tudo, todas os arredores expansivos, com a força das mãos, numa bola, e poder ver-me e mover-me de todos os modos... Eu te ouvi, Apolo... e então busco, amarrotando o lençol da cama quando me preparo para levantar do sonho... Busco em cada fim de tragada que falta, em cada fome ou foda que acaba... Busco além das fotos... É como se o tal conselho da busca fosse o sopro que me acendeu a vida, ele é o tudo que é antes que é sempre. Ele é o motor primeiro da minha percepção incerta do meu ser, eu busco quem sou e se abrem as possibilidades, como janelas que se abrem atrás de janelas que se abrem atrás de janelas que se abrem, sucessivamente... Numa diáspora, à procura da língua que eu falo, à procura do vale em que planto, do canto que eu pranto, assolado pela ideia de tentar abraçar tudo o que posso ser (essa espécie de campo de mim que me envolve e se expande), à procura da palavra que penso ouvir de um deus, eu danço.
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