terça-feira, 24 de novembro de 2009

Na copa em Copa antes da copa no Brasil

Ele estava acima do peso, isso era claro, mas todos diziam pra ele que isso não era problema pra muita gente e que até conhecem pessoas que com certeza o achariam interessante. Aí, mesmo assim, porque ele sabe que sempre pode ser melhor e que normalmente está se sentindo pior, conseguiu pensar mais em ser melhor do que em estar pior e comeu, talvez só por hoje, apenas frango grelhado e salada.

Ele mesmo grelhou o seu frango, porque já era mais de nove da noite e a empregada, que já estava lá além do tempo que podia, também não era a cozinheira, era a passadeira. O mais engraçado é essa empregada preferir ficar até mais tarde no trabalho todo dia pra não acumular roupa pro dia seguinte. Sim, ela é crente e muito provavelmente acredita que acredita mesmo que é sendo eficiente no trabalho que você (ela, no caso) alcança o céu. Ou talvez ela só seja uma crente qualquer, de uma igreja qualquer que só bitola as pessoas. Enquanto ele comia o seu frango com salada, viu sua mãe fechando a porta que tem da cozinha pra sala. A cozinha acesa, branca, e a sala, com uma iluminação aconchegante, azulzinho da tv ligada no meio escurinho, um sofá - o horário nobre reluzia da tela da tv para todos os tons da sala, aquela sala, em Copacabana...

Para a empregada, que conhecia o gostinho de ver a novela sentada no sofá de casa, aquilo era um exercício da sua religião, quase que um dever de casa difição de matemática, ou um projeto de tese de doutorado que você sempre deixa pra fazer de última hora. A empregada, mulata, já senhora, sentia a nobreza daquele horário naquela sala. Ela ainda estava no trabalho e aquela situação tinha seu aspecto de já-vi-isso-antes, não sei. Ela estava na casa dos outros/no seu trabalho, na casa, na vida ínitma de uma pessoa mais rica que paga ela e nem a novela ela estava sentada em casa pra ver. Aquela sala, bem, aquela sala era bem melhor que a sua, mas ela podia transitar por ali durante o dia, o que tirava de certa forma o tabu. Ninguém estava em casa durante o dia, um na faculdade, outros todos no trabalho e ela andava por ali, de vez em quando a patroa estava em casa, mas tudo bem, porque ela era honesta e sincera e era justo que ela não pudesse assistir TV às nove horas da noite na sala de estar no horário nobre com a sua patroa.

Mas durante a noite as coisas mudavam. As outras empregadas iam embora, ficava a patroa - os filhos em seus quartos - esperando o patrão. Quando o rapaz que comia frango grelhado com salada saiu da cozinha e fechou a porta, adentrou naquele ambiente de horário nobre, luzinha azul da tv, móveis aconchegantes, clima familiar, a mãe perguntou: "A Dona Graça já foi embora?" E ainda não tinha ido, estava lá varrendo o chão da área de serviço sem motivo aparente. Era chato que ela ainda estivesse ali por dois motivos: parecia que estavam explorando a mulher, mesmo ela, crente, dizendo estar tudo tranquilo e melhor pra ela; e também era chato mesmo uma mulher ali, que não era da família, excluída mesmo da família, porque não é da família mesmo, quase que pedindo esmola ali nos arredores do quarto de empregada. Seguiu pro quarto.