terça-feira, 5 de agosto de 2008

as rugas do cérebro

Nas profundezas das rugas do meu cérebro, uma tempestade nebulosa de tormentos e pesos para os olhos acontecia.
Deitado na cama dos meus pais, com o abajur do lado direito da cama aceso, eu estava calado, meio curvado, meio lombrado, deslizando pelas minhas mãos uma correspondência recebida: era um anúncio de algo que eu nunca adquiriria. Minha mãe falava ao telefone, sentada na cama perto do abajur aceso, pagava contas via phonebanking e não parava de olhar para mim, repetindo os números dos códigos de barra, se confundindo e reefetuando todos os pagamentos, com um ar de preocupação - comigo. Ouvia, ao fundo, mas não baixo, os reclames do Jornal Nacional, que anunciava as maravilhas conquistadas pelo Brasil em desenvolvimento. Não sei quantos milhões de pessoas saindo da pobreza, o país aumentando a qualidade de vida de sua população. Eu ouvia aquilo e só não ria por causa da tal tempestade. Imaginei o quanto o poder de consumo pode deprimir sua população. Mas eu nem consumia, nem tinha minha própria renda, estava pensando de orelhada. A existência não era tão agradável, nem tão degustável, era a única saída para quem vivia. Assim que desligou o telefone, ela quis conversar. Na verdade queria saber se estava tudo bem e eu não me importava dessa vez que ela soubesse que não estava - fez três perguntas ordinárias e foi direto ao ponto: você está triste? estou.
Sem aquela fome de sempre, jantei com meus pais à mesa, meio cabisbaixo, ciscando a comida com o garfo, pouca comida – uma saladinha e dois pedaços de frango grelhado. Perguntei pro mei pai alguma coisa sobre trâmites jurídicos ou políticos, relacionado ao que se passava no jornal, corrupção ou politicagens, o que rapidamente engatou numa discussão política que, se não fosse a tal nebulosidade, teria se tornado uma argumentação voraz. Dessa vez eu não queria tentar contradizê-lo, nem mostrar o não ser bem assim das coisas, sob o meu ponto de vista. Terminei de comer, vi meu pai se direcionar para a sala, extremamente importado com um caso de corrupção na TV, e fiquei mais um pouco na cozinha com a minha mãe, que tirava a mesa e tentava perguntar sobre os meus planos. Eu estava sem saco para planos e meus olhos pesavam tanto de tristeza que respondi brevemente com espasmos e quase tive vontade de chorar. Levantei da mesa da copa, onde estava com um braço esticado e a cabeça deitada sobre ele, segui sereno até o quarto, passei pelo meu pai, que comentou sobre algo de suma relevância relatado no jornal, sorri amarelo e fui para o quarto. Deitei na minha cama e botei um som bem pesado, tão pesado quanto os meus tormentos, tão pesado quanto a minha tempestade: queria obter uma espécie de equilíbrio osmótico. Dormi.

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