quinta-feira, 28 de agosto de 2008

espalmadas na parede chapiscada

Agora já passou algum tempo.

Mas quanto mais se pensa em si, mais se sente a própria vida.

Depois de falar e falar e falar, gesticular, olhar no fundo daqueles olhos verdes e não sentir mais os pensamentos, só atropelar gaguejadas palavras com mãos inquietas e caretas explicativas, escutei algumas perguntas, algumas ponderações, alguns encaminhamentos e comecei a fazer sentido, sem que as caretas nem os gestos fossem tão mais necessários para o entendimento. Levantei, porque era hora e a campainha já tinha sido tocada, conversei sobre o pagamento e me despedi.

- Então, eu esqueci de trazer o pagamento do mês passado, aí eu trago semana que vem dos dois meses juntos - eu iniciei o assunto.

- Ok. É, isso mesmo - prosseguiu ela ao mesmo tempo em que eu terminava minha fala - acabou que os pagamentos ficaram trepados! Olha que engraçado a palavra que veio! - ela só podia ter estudado Freud a vida toda. Me dirigiu até a porta. Quem tinha chegado com a campainha estava no banheiro e uma pasta, que devia ser sua, estava na cadeira.

- Tchau, até quinta! - dissemos os dois, ao mesmo tempo. Virei, a porta fechou.

Como sempre, saí pelo corredor batendo com a mão espalmada na parede chapiscada do corredor daquele prédio comercial em Copacabana e suspirei fundo ao som do pensamento simbólico ‘tiro na cabeça’. Um enjôo me perseguia – lembranças de Sartre. Desemboquei no hall dos elevadores, eram dois.

Os dois elevadores passaram direto o andar onde eu estava. Sozinho, as figuras recém surgidas naquela sala da qual acabara de sair fervilhavam. Eu era uma metade do partido Andrógeno de Prometeu. Eu buscava amor em todas as suas formas, eu queria o brilho. Eu andava de bicicleta com meu pai aos 8 anos de idade e queria ser dono do Copacabana Palace. “Cuidado com os sonhos altos, você pode se frustrar quando ficar mais velho” era, sim, aos 8 anos que eu ouvia isso tanto do meu pai como da minha mãe. E o elevador chegou, o social, o que tem um espelho. Lancei um chiclete. Estômago?

O caminho para casa era um tanto quanto longo e eu pensava e sentia muito e ia a pé. A cada passo eu pensava, eu sentia e eu queria sentar e escrever. Toda essa história de amor não recebido, de amor procurado, de dependência do riso e do aplauso. Aquele caminho de sempre, as muitas pessoas variadas da Avenida Copacabana e eu e a minha mochila sacolejava. O barulho do ônibus parando, tsss, andando, seu carburador soltando a fumaça que eu nem via, mas imaginava, só pelo barulho do ronco. O céu me dizia que era noite e as luzes acesas me diziam de mim. Eu, sentado no sofá da sala, conversando com meu pai que não ouvia minhas poesias, nem minhas reflexões metafísicas. Falava dele, do Direito dele, da sua Jurisprudência e os dogmas e mais dogmas e mais dogmas do seu Direito, que enclausuravam, encaixotavam, acachapavam meu amor Filia. O enjôo.

Eu parei no sinal da Barata Ribeiro com a Bolívar. A mulher ao meu lado, eu olhei, era feia e me olhou nos olhos – continuava muito feia. A faixa de pedestres atropelada pelos carros, pois o sinal estava verde, e lá do outro lado, a calçada do meu caminho que continuava. Mais roncos, mais ônibus, mais carros. Gosto de fumaça na boca. Aquecimento global? Meu estômago não desembrulhava de jeito nenhum. Eu tinha meus 14 anos, na casa de umas pessoas apenas conhecidas, sentado no braço do sofá, vendo um filme na televisão muda para que se pudesse conversar, o qual ninguém se interessava – e eu ria. Nesse mesmo dia, eu discuti gritando minhas ideologias com quem me ridicularizava.

Só voltei a olhar para o mundo na pracinha da frente de casa. Moderna, haviam acabado de construir o metrô ali. Lembrei-me do que não era da conversa da sala dos olhos verdes, lembrei-me da vida não-minha. A vida, além de tudo isso, ainda é se sentir bem. Mascava o chiclete e a Náusea bombava. Passo, outro passo, latejava na minha mente, outro passo, o amor que eu não tinha, mais um passo, e a vida que eu vivia, mais outro, minha casa que não chegava para eu escrever – eu mascava e mascava arritmado o Trident. Meu amor era Eros, por isso eu dependia dele.

Um degrau e o outro, uma perna e depois a outra. Subi os dois degraus que antecipavam a porta do prédio e subi pelo elevador de serviço. A chave, ao chegar no meu andar, não estava no esconderijo de sempre, um pequeno susto que a rotina me deu, mas estava na mochila. Entrei, casa vazia, fui para o banho. Eu tinha falado para a moça dos olhos verdes, eu estava me sentindo sujo, oleoso, mal-tratado por mim mesmo. Como de prache, a masturbação. Dessa vez mais rápida e mais espontânea que o normal – será que eu estava com vontade? Gozei rápido e no mesmo instante soltei meu pau. Aturdido. Mas fiquei sentado ainda um tempo com o chuveiro caindo água na minha nuca, que escorria pela barriga, pela púbis, pelos pentelhos sujos do esperma; a água escorria pela ponta do meu nariz – minha cabeça estava baixa. Shampoo, sabonete, foi tudo passado de uma vez só, o que não era o normal. Estava me limpando do meu calor, tirando meu óleo, estava limpando o meu esperma, estava ensaboando o meu Eros.

A porta do box escorregou para o lado pelas minhas mãos, que puxavam a maçanetinha. Eu pisei no tapete do banheiro e puxei a minha toalha, branca. Me sequei, esfregando bem a cabeça, e me enrolei na toalha, segui para o quarto, sentei na minha cadeira verde e velha de plástico e comecei o que já era plano desde o primeiro elevador: escrever, mesmo que já tivesse passado algum tempo desde que os olhos verdes me olharam da última vez.

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