sábado, 2 de agosto de 2008

Família Grande

Antônio era filho de João, que era amigo de Pedro desde muito novos. Acabaram se tornando tão amigos que os filhos de um se tornaram primos dos filhos do outro, portanto, Júlia, que era modelo, linda, atriz e morava em São Paulo, era prima de Antônio. Antônio tinha mais dinheiro que Júlia e menos que Rose, que era tia de verdade de Júlia e, quando Júlia estava no Rio, se dizia tia de Antônio - também se dizia tia em algumas outras situações, como numa festa, ou coisas do tipo, mas não, não era tia dele nem se sentia assim, mas isso não importa. O que importa é que Júlia se sentia oprimida pela tia rica e não pelo primo mais ou menos. Antônio, o primo mais ou menos, se sentia invadido quando a prima vinha de repente de São Paulo. Era assim: ela simplesmente aparecia na casa da avó dela na Tijuca e começava a ligar freneticamente, todos os dias, para a casa dos primos, para a casa de Antônio. Antes ela perturbava mais o irmão do Antônio, Marcos, porque eles eram praticamente da mesma idade, gostavam de fazer as mesmas coisas e ela adorava os amigos do Marcos, porque eles a colocavam como uma super atração nova, ela era bonita, ela era simpática e se enturmava muito rápido com as pessoas, pelo menos no momento era assim, nunca se sabe o que pensavam dela logo depois do tempo de socialização, se queriam desesperadamente comê-la, se achavam ela um saco porque não parava de falar, se não gostavam dela porque ela parecia dar mole e não pegava ninguém, enfim, ela gostava de estar ali no meio deles, mas Marcos agora tinha uma namorada. A namorada do Marcos, ou o namoro dele, distanciou-o do seu antigo ciclo de amizades. Marcos já não saía muito, ficava lá, com a sua namorada, no quarto dele, ou no quarto dela, na casa dela, no restaurante com ela, ia buscá-la na faculdade dela, saía do trabalho e ia encontrar com ela, encontrava com os amigos acompanhado dela, ia acompanhá-la com os amigos dela, levava ela sempre para almoçar em casa, ia almoçar na casa dela, enfim, ele não tinha mais tempo para a prima que surgia de paraquedas no Rio de Janeiro ou nunca teve paciência para ela e agora tinha desculpa para dispensar a prima, que, oras, a essa altura já lembrava que nem era mesmo prima de verdade, e ainda teve um episódio, em que a prima conheceu a namorada e que, segundo relatos da mãe de Marcos e Antônio, Júlia pareceu querer mostrar poder sobre Marcos, não sabia dizer direito, ou não queria parecer escrota com a sobrinha, até que disse que Júlia ficava dando mole para Marcos só para a namorada dele ficar com ciúmes. A namorada ficou com ciúmes mas não perdeu a pose, segundo a mãe dos rapazes. Se isso aconteceu, mais um motivo para Júlia ser dispensada. Júlia agora sufocava Antônio. Júlia estava passando por um momento muito difícil em sua vida: seus pais se separavam. Isso mesmo, tio Pedro se separava da mulher e era mais uma confusão familiar que surgia na família de Júlia e de Pedro, não na família de Marcos, Antônio e João. A família de Júlia era muito confusa. A tal da tia Rose, a rica, que era casada com um advogado também muito rico e tiha com ele três filhos, dois homens e uma menina, a caçula. Os dois homens, um tinha 30 e o outro 27 e não haviam saído de casa ainda. Estavam sempre muito bem vestidos, eram muito bonitos, fortes, brozeados, descolados, enfim, eram dois típicos Garotos Zona Sul. A família era rica, era o que sentiam que queriam dizer para os outros, tanto Júlia, como Marcos, como Pedro, como Antônio. Essa família da tia Rose e seu marido, era brigada com um irmão dela, Fábio. Fábio também era rico, tinha uma mulher bem mais jovem e tinha um filho pequeno, que ainda não expressava opiniões como os filhos de Rose. Tio Fábio, para os olhos de Júlia, era bem mais legal que Rose. Para os olhos de Marcos, Antônio e João, ele também gostava de ostentar sua riqueza e fazia questão de ser grosseiro com os outros. E ainda tinha a Léa, que era a parte mais pobre da família, que tinha casado com um cara aí que Marcos e Antônio não sabem quem são, tiveram uma filha, Marina, que era meio gordinha, branquela e não tinha cara de quem tinha muitos amigos. Marina adorava quando Júlia vinha de São Paulo, pois ela badalava a sua vida. Júlia, contudo, não gostava muito de badalar a vida de Marina, ela queria uma badalação em si. Portanto, quando vinha ao Rio, procurava a casa de Antônio, Marcos e João, porque Marcos era sinônimos de todos os amigos que ele tinha e a própria badalação. Marcos era um pouco Garoto Zona Sul, mas os seus amigos eram totalmente, só que não tão ricos nem tão presunçosos quanto os filhos de Rose. Freqüentavam partes diferentes da praia de Ipanema e isso os diferenciava muito, pelo incrível que pareça, fazia deles dois tipos distintos de Garotos Zona Sul. Júlia, para não parecer tão escrota, tentava incluir Marina, a prima, no grupo dos amigos de Marcos, mas, como Garotões Zona Sul que se prezem, não gostavam de gente feia e gorda. Não chegaram a destratá-la, simplesmente não a fizeram sentir-se incluída, o que já era suficiente para uma animosidade. As coisas, porém, não eram mais assim. Marcos namorava, Pedro, pai de Júlia, se separava da mulher. O divórcio de Pedro causara milhões de turbulências na família de Pedro, Júlia, Rose e Fábio, não para Marcos, Antônio e João. Júlia achou que Rose estimulava atitudes inaceitáveis de Pedro. Júlia já não gostava muito de Rose e o que parecia neurose, também parecia verdade e, pelo tipo de gente que era Rose, uma rica metida com filhos ricos metidos e um marido rico metido, a neurose só podia ser verdade. Houve um episódio em que Júlia pediu para o pai que não chamasse a irmã para ir à praia com eles uma vez. Pedro ignorou a filha e encontraram-se todos na praia, a família sólida de Rose e seus riquinhos e a família ainda em tempo de terminar de Júlia, Pedro, futura ex-mulher e o outro filho. Júlia levantou-se raivosa e mudou de lugar. Nesse dia, no Arpoador, solaço, Júlia fez questão de ignorar a tia. Júlia também ligou para a casa dos primos emprestados. Marcos a chamou para conhecer a namorada dele e deu no que deu, ou deu no que a mãe de Marcos e Antônio disse. A família de Marcos, Antônio e João também era sólida e estruturada, apesar de não ser rica. Júlia se tocou que não poderia mais contar com o primo Marcos e foi atrás de Antônio, que primeiramene deu atenção a ela, foi ao Arpoador com ela, pularam da pedra e até apresentou-a a alguns de seus amigos. Júlia se deu muito bem com Paulo, um amigo de Antônio. Paulo tinha alguns problemas psiquiátricos, uma carência absurda e os dois se deram super bem, Paulo, o psicótico carente e Júlia, a modelo, atriz, linda, simpática, que agora passava por momentos difíceis em casa e tudo o que queria era algo que não lhe lembrasse a família da qual excluía Antônio, Marcos e João. Um dia, na praia com o psicótico, outro episódio da família que Antônio, Marcos e João não participavam: com o psicótico longe, seqüelando, sem nem prestar atenção no que se passava, Júlia encontrou com Rose e sua filha mais nova, que tinha lá seus 22 anos. Começaram um barata vôa, discutiram e depois selaram uma paz forçada. Júlia comentou com Paulo. Como Júlia ficou amiga de Paulo, se sentia num maior direito de ficar ligando para o primo Antônio, chamá-lo para sair, ir à praia, etc. Antônio não gostava muito disso, gostava de ficar em casa, reunir-se com poucos amigos e fumar maconha o dia inteiro. Paulo também fazia isso, mas acabou gostando muito de Júlia - ele era psicótico, vale lembrar. Júlia não tinha preconceitos com maconha, era o que ela dizia, só não fumava. Antônio, que nunca apresentava os amigos a ela, resolveu apresentar uma vez. Ela se deu bem com todos, falou sobre seus dramas familiares de modo teatralizado e representou um tempo agradável naquele quarto enfumaçado. Ela chapou-se de marola; era o que parecia. Antônio, entretanto, não gostava de ter que estar com a prima, pois ela não fazia as coisas que ele fazia e, por mais que não tivesse preconceito, não era lá que ela gostaria de estar e sempre acabava querendo obrigá-lo a fazer coisas que não queria, como por exemplo sair com a prima Marina ou ir visitar a tia Rose. Detalhe não relatado: a prima Marina era sempre a excluída quando eram crianças e todos os pais eram casados e a avó, mãe de Rose, Pedro, Fábio e Léa, ainda era viva. Júlia, que não queria nunca sofrer com nada nem ser mal recebida no Rio começava a ver tudo cair por terra. Seus olhos verdes, sua beleza, não conquistavam a carioqueza de quem vivia aqui. Infelizmente, ela pensava, morava em São Paulo, onde sempre morou. Se tivesse ficado no Rio, nascido no Rio, se seu pai não tivesse ido para Taubaté, se sua mãe não tivesse batido o pé e não tivesse ido, se seu pai não tivesse traído sua mãe por estarem em São Paulo, longe de suas vidas, se sua mãe não tivesse desistido de sua vida pela família, ah, tudo seria melhor se ela morasse no Rio. Voltou para São Paulo de ônibus e ficou puta da vida com todos. Por que agora todos resolviam tratá-la como alguém que estava enchendo o saco? No fundo, no fundo, ela achava os seus familiares um saco, gostava mesmo era dos que não eram parentes, Marcos, Antônio e João, que não se sentiam seus parentes.

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