sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Santo Sapo

E lá estava o sapo, na mata atrás aqui de casa, não sei se mais uma vez ou se era a primeira vez que circulava por essas bandas, pulando pela pedra, parecia fugir do sol. Olhando mais ao redor, não era mais possível ver o sapo, era possível ver toda a mata, verde, sobre a pedra cortada para a construção de alguma coisa (no caso o Corte do Cantagalo e o prédio aonde vivo), mas que se mantinha aqui, viva, com um sapinho inclusive, recebia sol, que iluminava as plantas, devia ceder calor para o sapo, que pulava, não mais sob minha vista, à procura de nada, talvez de um alimento, talvez apenas fugindo do sol, certamente sendo apenas sapo.

Mantendo o mesmo pano de fundo, a mata aqui atrás, com o sapo e as plantinhas e o sol e a pedra e etc, imaginei, que da janela do escritório, eu poderia filmar um documentário para o Discovery Channel. Foi só esse pensamento surgir que, junto com ele, surgiu uma borboleta, bonitinha, que voava de um lado pro outro. Não era preciso ir muito longe para buscar os encantos da natureza, sua beleza, nem mesmo suas leis mais obrigatórias. Parece mentira, mas o sapo, que já não estava mais ao alcance da minha vista, ressurgiu (tenho certeza de que era o mesmo) e trucidou a borboleta branquinha. Esperto esse sapo, já estava à espreita, observando o andar da carruagem, esperando o momento certo da borboleta surgir para atacá-la. Mas, ao ver o sapo pela primeira vez, não vi a borboleta. Vi apenas o sapo indo para a sombra. Embora tenha sido tão empolgado ao discursar sobre a previsibilidade do sapo, acho que é praticamente impossível que ele tenha calculado o ataque. Não estou tirando o mérito de grande caçador do sapo, de modo algum, acho inclusive que ele tem um mérito muito maior. O que deve ter acontecido, embora nunca possa saber ao certo (a velha e odiosa máxima mais uma vez presente aqui conosco), é que o sapo deve ter aproveitado o momento que a borboleta passou e deu o bote. Talvez por uma razão instintiva, o sapo já soubesse o melhor lugar para se posicionar caso aparecesse alguma presa possível ou alguém possível predador.

E esses instintos, tão presentes no mundo animal, não possivelmente controlariam todas, irrestritamente, as espécies animais? Se dizem que o homem não age instintivamente, eu tenho que me forçar um pouco para não rir. O que procurava o sapo ao entocar-se à sombra, num lugar seguro e propício para o seu ganha-pão? Procurava a sobrevivência. Talvez estivesse ele entediado, parado lá embaixo de uma folha, esperando, sempre esperando, como se nunca fosse morrer. E nós, ilustríssimos humanos, o que fazemos ao entocarmo-nos em nossas casas? Qual casa preferimos, aquela que nos proporcionará mais seguridade a nossas vidas, mais conforto, mais limpeza, mais cara, o que mostraria a nossa segurança para nós mesmos e para os nossos semelhantes, que olharão e verão a grandeza, a riqueza, a segurança, tanto para ele quanto para seus descendentes; a casa que é mais perto do trabalho, a nossa forma de caça. O que é que queremos, ao juntarmos dinheiro, ao pagarmos o melhor plano de saúde, a melhor escola para os filhos, a melhor roupa? Não estaríamos lutando pelas mesmas coisas, apenas mais profundamente, que o nosso amiguinho sapo que come a borboleta? Não estaríamos fugindo da dor física, que nos remete a morte por termos ciência dela e do processo pelo qual ela pode vir a se sobrepor a nós? Não estaríamos, ao demonstrar segurança, querendo a manutenção de nossos pares de acasalamento, suscitando no par, assim, a possível certeza de que os descendentes estariam seguros, não seria uma busca pela manutenção da espécie? Mas que macacada boa somos nós.

Um comentário:

bic_cristal_pocket disse...

Somos uns animaizinhos estranhos:)
Que eu seja um pouco sapo: que consegue alcançar o que deseja com intuição e bom senso.
Que eu seja como a borboleta: dócil e despreocupada ao sabor do vento.

:S quem vai decidir?

Talvez não seja preciso fazer qualquer decisão. Um meio-termo entre um bicho e outro. Ser meio bicho-borboleta, meio bicho-sapo.

Ser estranho, sim... Mas que nunca me faltem as asas!